A woman in a blue dress sits outside and records her production and consumption in an agroecological log in Brazil.
Leila Mafra Conceição é uma das mulheres envolvidas no projeto de cadernetas agroecológicas na zona rural de Camiranga, Pará, Brasil. Conceição preenche um caderneta em uma oficina ocorrida em maio de 2022. Credit: Suelany Sousa da Silva/FASE/Fundo DEMA, all rights reserved

This is an authorized translation of an Eos article. Esta é uma tradução autorizada de um artigo da Eos.

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De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), as mudança climáticas e seus efeitos não são fenômenos neutros no que diz respeito ao gênero: mulheres e meninas são as mais atingidas.

A crise climática aprofunda as desigualdades de gênero já existentes, especialmente nos países em desenvolvimento. Um relatório da ONU de 2022 mostra que as mulheres apresentam taxas de sobrevivência mais baixas que homens quando diante de desastres ambientais. Elas também são altamente vulneráveis ​​à violência de gênero após eventos climáticos extremos.

A agricultura, uma atividade profundamente dependente do clima, ainda é o setor que mais emprega mulheres em países de renda baixa e média-baixa. Embora sejam quase metade da força de trabalho agrícola globalmente, as mulheres possuem menos de 13% das terras destinadas à agricultura, segundo a ONU.

“Quando ocorrem eventos extremos, as mulheres são especialmente afetadas, pois geralmente ficam em casa e fazem a maior parte das tarefas domésticas.”

Na Amazônia, mudanças nos ciclos hidrológicos representam uma ameaça especialmente para os grupos tradicionais. E são as mulheres que carregam boa parte desse peso, de acordo com Luisa Viegas, pesquisadora da área de ecologia da Universidade Federal da Bahia, no Brasil. “As mudanças nos níveis dos rios afeta as comunidades ribeirinhas e, quando ocorrem eventos extremos, as mulheres são especialmente afetadas, pois geralmente ficam em casa e fazem a maior parte do trabalho doméstico”, disse Viegas.

Pesquisas têm consistentemente mostrado crescentes mudanças nos ciclos de chuva e seca na Amazônia. Um estudo sugeriu que áreas desmatadas por mais de uma década recebem menos chuvas que as demais durante a temporada de seca. Já a Agência Espacial Norte-Americana (NASA) divulgou outro estudo no qual os pesquisadores concluíram que a atmosfera sobre a Amazônia está cada vez mais seca como resultado do desmatamento e das queimadas. Um estudo de revisão bibliográfica também constatou que as mudanças no uso da terra, especialmente no sul da floresta, afetam a circulação atmosférica: os regimes de seca e chuvas estão mudando rapidamente.

Comunidades tradicionais que dependem da terra, e em especial as mulheres que cuidam de pequenas propriedades familiares, já estão sentindo essas mudanças. Um dos principais impactos se dá na segurança alimentar, observou Mônica Vasconcelos, pesquisadora de sociobiodiversidade da Universidade Estadual do Amazonas. Na região do Rio Negro, perto de Manaus, capital do estado do Amazonas, o aumento das temperaturas diminuiu as horas de trabalho ao ar livre. Nas cercanias do rio Juruá (no oeste), inundações extremas levaram à redução da colheita de mandioca.

“O resultado tanto das cheias quanto das secas é mais insegurança alimentar e menos receita para as comunidades locais. Para as mulheres é ainda pior, pois elas têm uma dupla jornada de trabalho, mas não recebem o dobro da remuneração”, disse Vasconcelos.

No Brasil, as mulheres são uma poderosa força de trabalho na agricultura familiar. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), a participação feminina foi 80% maior do que a participação masculina nesse tipo de agricultura em 2019. Na Amazônia, a agricultura familiar é particularmente vulnerável a enchentes e secas.

“Os solos da Amazônia são muito ácidos, então a vazante dos rios ajuda a regular o pH dos solos ajudam a equilibrar o pH dos solos”, disse Marcela Vecchione, pesquisadora de estudos amazônicos da Universidade Federal do Pará. “As mulheres costumam semear as várzeas após a estação chuvosa, mas a falta de [uma previsão precisa de precipitação] prejudica o manejo de pequenos sistemas agrícolas”, disse ela.

Essas mudanças não só atrapalham o calendário de plantio, como também prejudicam a coleta de sementes para futuras safras, disse Vecchione.

Encontrando soluções

Desafiadas pelo cenário atual, as mulheres da Amazônia estão trabalhando em soluções. Um dos projetos que aborda esse problema é o “Cadernetas Agroecológicas na Amazônia”, em que mulheres locais registram nestas cadernetas os alimentos que produzem, consomem, trocam, doam e vendem. Criado em 2011 no Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, no leste do estado de Minas Gerais, o sistema de cadernetas é amplamente difundido entre as comunidades rurais no Brasil.

Este ano, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), uma organização não-governamental, juntamente com o Fundo Dema, sem fins lucrativos, está realizando o projeto das cadernetas na região amazônica, no Pará. Segundo Beatriz Luz, educadora da FASE e do Fundo Dema, a entidade acompanha cerca de 90 mulheres no estado.

“Todos os dias, as mulheres anotam tudo o que fazem com sua produção e contabilizam o que pagam ou recebem, para que tenham uma ideia do valor de seu trabalho, que historicamente tem sido invisível”, disse Luz. Em uma rodada anterior do projeto, os registros das cadernetas revelaram que as mulheres ganhavam em média de R$ 400 a R$ 600 (US$ 80 a US$ 120) por mês—cerca de metade do salário mínimo atual do Brasil. Mas mesmo esse valor, segundo Luz, está subestimado, “pois nem sempre as mulheres reparam nas sementes que trocam, por exemplo”.

O projeto “lança luz sobre um trabalho que muitas vezes é invisível, promove a segurança alimentar” e contribui para a biodiversidade local, explicou Luz. (Um dos registros das cadernetas documentou 246 espécies em uma única horta em um quintal.) As anotações também registram o trabalho rural, permitindo que as mulheres solicitem benefícios de aposentadoria ao governo. Ao manter registros eficazes, as mulheres agricultoras podem escalar sua produção—algumas fazendas familiares gerenciam suas colheitas para vender para escolas ou empresas locais, por exemplo, enquanto outras diversificam a plantação para estender as estações de cultivo ou incluir a criação de animais.

Medicinal plants in a basket at a workshop in Pará, northern Brazil
Plantas medicinais e alimentos são cultivados por mulheres na agricultura familiar no Brasil. O saião (Kalanchoe brasiliensis), o amor-crescido (Portulaca pilosa) e o malvavisco (Malvaviscus arboreus) estão entre as ervas mais cultivadas e amplamente usadas durante a pandemia. Esta foto foi tirada em uma oficina em julho de 2022 em Jacarequara, no Pará. Credit: Suelany Sousa da Silva/FASE/Fundo DEMA, all rights reserved

Em outro projeto, em São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, as integrantes da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro trabalham para preservar e repassar saberes tradicionais sobre a produção agrícola. As mais velhas conduzem oficinas para ensinar as gerações mais jovens a cultivar feijão, mandioca e outras culturas. Tem sido um desafio seguir a tradição à risca conforme os padrões de chuva mudam, disse Elizângela Costa, líder indígena Baré que dirige a associação.

“Estamos buscando novas alternativas ao mesmo tempo em que queremos proteger nossos saberes tradicionais e valorizar nossas companheiras. Não tem sido fácil, mas é importante cuidar da nossa comunidade, do nosso território e das nossas futuras gerações”, disse Costa.

—Meghie Rodrigues (@meghier), Jornalista de Ciência

—Sofia Moutinho (@sofiamoutinhoBR), Tradutora

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